Bahia

Conheça a história do porteiro que criou uma fábrica de insetos na Liberdade

16 de Janeiro de 2022 - Correio24h
[Conheça a história do porteiro que criou uma fábrica de insetos na Liberdade]

Há uns seis anos, um colega de Luiz Góis chegou até ele com uma oferta inusitada. Queria saber se ele tinha interesse numa porção de larvas de besouro tenébrio

O amigo garantiu que ele iria se encantar com o animal e, a partir daí, o porteiro Luiz Góis virou Luiz Tenébrio, fabricante de insetos. Num quarto de sua casa, no bairro da Liberdade, ele tem uma criação de grilos, baratas e larvas, e alguns destes chegam a ser vendidos por até R$ 400 o quilo. 

“Quando meu amigo me deu, ele só me disse o básico, que comiam fruta e farelo de trigo. Sempre gostei de criar animais, desde a infância, mas inseto até então nunca tinha ouvido falar, nem como criação e nem como alimento. Na época, eu não sabia como eles se reproduziam, meu amigo disse que era só largar lá que logo eles se multiplicavam. Daí em diante, fui dando umas pesquisadas na internet”, lembra ele.

As vendas começaram numa feira livre perto de casa e deslancharam ao ponto de ele hoje mandar para clientes de fora do estado, através de transportadoras, e fazer entregas em bairros de Salvador. Ricos em proteínas, os insetos são comercializados para servir de alimentação para outros animais, como gado, peixes, galinhas e outras aves. 

Os tipos de insetos que o microempreendedor tem disponíveis no catálogo de venda são: o tenébrio no porte gigante, molitor ou amendoim; a barata red runner, madagascar, cinérea ou dúbia e também o grilo comum. De tão grande, bonita e exótica, a barata madagascar chega a ser comprada como animal de estimação, podendo viver até cinco anos. 

Cada 100 unidades de qualquer um desses bichinhos podem custar de R$ 10 a R$ 50 na mão de Luíz. Depois da fase larval, os insetos podem sair até mais caros. “Na internet, tem gente que vende 15 unidades de besouro tenébrio por R$ 500. Eu vendo a R$ 2 cada, imagine a disparidade”, diz. No Mercado Livre, há anúncios de vendedores das cidades de Salvador, Conceição do Coité, Cruz das Almas, Entre Rios, São Sebastião do Passé e São Francisco do Conde.

Luiz concilia a sua pequena biofábrica com o trabalho de porteiro e quer, em breve, criar larvas da mosca black soldier (soldado-negro), a maior aposta do mercado no momento devido à rápida reprodução e grande quantidade de proteínas e gorduras na composição, chegando a mais de 40% e 30%, respectivamente. 

O principal faturamento de Luiz hoje é com o tenébrio gigante. Só deste chega a produzir 20kg ao mês, mas este volume ainda é uma escala ainda pequena. Segundo ele, já lhe apareceram clientes com pedidos de até 600 kg, mas essa produção é inviável no espaço da sua casa. Para isso, seria necessário um galpão de mais de 2.000m², pelo menos, para conseguir esta quantidade. Esse tenébrio leva, em média, de quatro a cinco meses para ficar no ponto para venda. “Passou disso, ele já tá entrando na fase de besouro”, diz.

Num único dia, o empreendedor conta que conseguiu vender R$ 340 em insetos para três clientes em apenas 2h. A criação que começou despretensiosa é hoje fonte de renda complementar da família e ele até sonha que os filhos possam estudar entomologia para desenvolver o negócio.

As colônias de insetos são criadas em vasilhas e aquários, mantendo uma temperatura quente, de até 28ºC, e umidade média. Os animais são alimentados com uma dieta à base de resíduos de frutas e legumes, como batata, cenoura, maçã e cana. Há uma separação  dos bichos que são as matrizes reprodutoras e os filhotes. Para aprender como aumentar e melhorar a produção, Luiz faz parte de um grupo no ‘zap’, com produtores do Brasil todo

“Em Salvador o clima é quente, muito propício ao desenvolvimento dos insetos. No Sul do país, alguns criadores têm que usar estufa para aumentar a temperatura. Se eu quiser ter uma produção boa, com insetos de qualidade, tem que ter uma constância na manutenção dos cuidados. O ácaro, por exemplo, é prejudicial à saúde do ser humano e do animal. Os tenébrios, por exemplo, nós temos que ter o trabalho de peneirar por causa da poeira”, diz.

O médico veterinário Gabriel Menezes, gerente de assistência técnica do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), explica que a produção de insetos por aqui começou a surgir como uma forma de controle de “pragas” na fruticultura e na pecuária. Como a Bahia é grande produtora de mangas e existe um tipo de mosca que tem impacto negativo nestas frutas, uma alternativa para controlá-las foi a produção de insetos estéreis para fazer com que a mosca não consiga se reproduzir. 

A mosca-de-chifre se alimenta de sangue e costuma acometer o gado, provocando a perda de peso. Para o controle, é utilizado o “besouro rola-bosta” que se alimenta de fezes. Então, quando as vacas e bois defecam, o besouro se alimenta dessas fezes e as enterram. Isso impacta na mosca porque é no cocô desses animais que ela costuma colocar seus ovos.

Em seguida, veio a onda de produção de insetos para atender o mercado pet. Antes, só cães e gatos eram vistos como animais de estimação, mas hoje há pessoas com liberação para criação de cobras, lagartos e outros bichos com necessidades de alimentação mais diferenciadas. Para Gabriel Menezes, a dificuldade de uma expansão dos insetos na cultura alimentar brasileira, incluindo dos humanos, é uma questão cultural.

“A gente não tem a cultura de criar insetos e outro ponto é o aspecto repugnante que a população tem com relação a isso. Quando a pessoa imagina que vai criar minhoca e inseto numa localidade, naturalmente faz logo uma careta. Além disso, para empresários esse é um cenário obscuro porque estariam entrando e aplicando recursos numa área em que poucas pessoas conhecem, é um terreno ainda desconhecido”, diz ele

A reportagem entrou em contato com a Vigilância Sanitária para saber se existe alguma regulamentação ou fiscalização. Em nota, o órgão respondeu que “não existe previsão legal junto a Visa (Vigilância Sanitária) para tal atividade.” O órgão ainda acrescentou que por se tratar de criação para a alimentação de animais, que o órgão responsável seria o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). A reportagem tentou contato com a pasta, que não respondeu até a publicação dessa reportagem.

TABELA DE PREÇOS DA LUIZ TENÉBRIO

Valores consultados em 8/12/2021

Tenébrios (100 unidades)
gigante - R$ 20
molitor - R$ 15
amendoim - R$ 10

Baratas (100 unidades)
dúbia - R$ 50
cinérea - R$ 35
red runner - R$ 30
madagascar (1 unidade) - R$ 15

Grilos (100 unidades)
comum - R$ 25

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