Bahia

De Roma Negra a capital afro: em meio a exclusões e resistência, Salvador busca caminhos de combate ao racismo

02 de Novembro de 2023 - Redação Cabula agora
[De Roma Negra a capital afro: em meio a exclusões e resistência, Salvador busca caminhos de combate ao racismo]

Roma Negra: cultura afro é marca registrada de Salvador — Foto: Divulgação/Matheus Leite/SalvadorCapitalAfro/Semur


Em meio a um país que, no começo do século 20, tinha sobre a égide de uma democracia racial a busca explícita pelo embranquecimento de sua população, Salvador foi - como outros momentos de nossa história - voz ativa para enaltecer seu afro legado.

Sob a voz da matriarca Eugênia Ana dos Santos, a Mãe Aninha, fundadora do Terreiro Ilê Axé Apó Afonjá, a cidade ganhou, na década de 1920, o apelido de "Roma Negra". A religiosa fazia referência ao fato da capital italiana ser o centro do catolicismo, enquanto Salvador seria o centro do culto aos orixás.

Ao longo dos anos, estudiosos, como a pesquisadora Maria Alice Pereira da Silva apontaram que o status de "Roma Negra" não serviria apenas para apontar a cidade enquanto um lugar da religiosidade afro-brasileira, mas também da resistência da negritude e mais recentemente como um lugar do turismo étnico.

Mais de 100 anos após o título, a "Roma Negra" se vê em meio a um novo momento. Entre inclusões conquistadas e o embate contra exclusões centenárias, a capital baiana agora aponta a proa em direção a se tornar capital afro, fomentando ações de combate à exclusão, de reparação e promoção do empreendedorismo e da cultura afro-brasileira.

Em 2011 durante o 21° Encontro Ibero-americano de Afrodescendentes, Salvador ganhou o título simbólico de Capital Negra da América Latina, destacando o reconhecimento internacional da capital baiana como patrimônio mundial afrodiaspórico.

??Mecca da Negritude

“A influência do negro sente-se em toda parte. Não apenas no aspecto físico da cidade, mas na sua vida”, escreveu Jorge Amado em seu romance “Bahia de Todos os Santos”.

A capital é um exemplo de resistência de um povo e que vê sua importância destacada neste novo momento de questionamentos políticos, sociais e geracionais. Ações governamentais como as realizadas pela prefeitura de Salvador e o governo baiano demonstram um novo olhar, mesmo diante de um contexto do estado mais violento do país, onde a população negra é a principal vítima

“A República nascida em seguida à abolição da escravatura, dizia que o Brasil, para ser civilizado, deveria branquear sua população através do processo de miscigenação com imigrantes do norte global. Imagina o impacto desta interpretação de nação em Salvador, cidade que mais do que qualquer outra do Brasil, permaneceu com imensa maioria populacional africana e afrodescendente? A cultura hegemônica tenta se impor tão forte, que até mesmo a cultura negra da Bahia, foi capitalizada e quase sequestrada da população preta soteropolitana. E digo quase, porque a força das organizações negras se impuseram”, destaca o historiador Rodrigo Lopes.

“Então o racismo, que é estrutural, permanece a todo momento tentando negar espaços de poder, aos pretos e pretas baianos, desmerecendo seus esforços de existir/resistir”, diz.
A "Roma Negra", que também ganhou a alcunha de Mecca da Negritude, conta em suas ruas, vielas e avenidas com mais de 50% da população de pessoas pretas. A Bahia e outros estados do Nordeste receberam forte influência social e cultural da Costa Oeste do continente africano, região de onde vieram povos como os iorubás, os jejes e os malê.

Para Rodrigo Lopes, a manutenção das identidades étnicas dos escravizados mostra a resistência das etnias trazidas à força da África diante da hegemônica cultura europeia aplicada no Brasil pelos colonizadores.

A resistência em preservar traços étnicos e culturais, violentados pelo processo de escravização e transladação forçada para a Bahia, deu a Salvador, em comunicação com o seu recôncavo, condições de desenvolver algo que, ao mesmo tempo em que era referenciado nas diversas regiões da África, mesclava as possibilidades materiais presentes aqui. Um processo de etnogênese que só um olhar mais atento consegue perceber, e que não é observado em relação à cultura europeia, porque esta foi hegemônica, não precisou criar condições constantes para se impor ou se estabelecer, sobre a dos povos conquistados/dominados no processo colonizador”, destaca Lopes.

??Ações práticas

Rodrigo Lopes destaca ainda que o estado brasileiro carrega as marcas de um pós abolição sem reparação. Diante do contingente populacional de pessoas escravizadas que viviam em Salvador, essa questão segue latente em nosso dia a dia.

“Historicamente, a emancipação dos afro-brasileiros foi vista como uma concessão do Estado branco (embora na prática não seja verdade, e a História precisa trabalhar duro para desmistificar isso). Mas compreendendo como uma concessão ou não, ela não foi acompanhada de políticas públicas que possibilitasse aos afro-brasileiros vencerem o racismo arraigado no Brasil, tendo equivalentes oportunidades de trabalho e acesso à educação, como os brancos”, diz Rodrigo Lopes.

O historiador diz ver a capital baiana como uma cidade mergulhada em preconceito, mas que segue com sua resistência personificada.

“Salvador é uma cidade racista, reafirmo. Os lugares de poder não disfarçam, quando tentam ser democráticos, são apenas condescendentes. Por isso é necessário aplaudir toda ação de pessoas negras que não se dobram, percebem o jogo do racismo e dizem isso claramente”.
Rodrigo Lopes vê ainda a educação como rota a ser percorrida na busca por igualdade racial e aceitação de diferentes formas de percepção e vivência.

"O caminho sempre será o da conscientização, e a educação é o melhor vetor por onde ela pode acontecer. Educação em todos os níveis e esferas, desde a militância, as escolas e universidades, a cena artística, os espaços políticos e religiosos. Temos quer buscar uma nova epistemologia para a vida, outra compreensão que negue o discurso hegemônico, e mostre que existem formas diferentes de entender o mundo, calcadas em valores e cosmovisão ancestrais, e dilapidadas pelo que a subjugação e a negação de direitos causaram historicamente no Brasil. A ciência de que políticas de reparação são necessárias e devem continuar", diz.

Ele ainda acredita que a construção de lideranças negras deve ser uma política construída para valorizar e inspirar gerações.

"A valorização das lideranças afro-brasileiras, a vontade e ações para termos mais pretos e pretas em lugares de poder, com compromisso étnico e social, com discursos e práticas contra-hegemônicas, deve ser um norte político. Sem isso, continuaremos sendo vitimados pelo sistema racista em vários níveis, e o pior de todos eles, é a não aceitação de sermos quem somos, que leva a enxergar os irmãos pretos e pretas, no lugar da marginalização, sendo vítimas de brancos e outros pretos, usando de seus micropoderes, conferidos pelo Estado, ainda racista", diz Rodrigo.

Para Ivete Sacramento, titular da Secretaria da Reparação (SEMUR), o combate ao racismo se faz necessário também institucionalmente com a implementação de ações práticas que promovam a equidade racial em todos os órgãos e entidades da administração pública municipal.

Todos os servidores fazem do Programa de Racismo Institucional um programa sério que, desde 2013, vem conseguindo desenvolver uma metodologia de enfrentamento ao racismo institucional. Queremos ter uma cidade antirracista e isso se reflete em 365 dias no ano. Todos têm a consciência, o discurso, e isso é um orgulho, uma felicidade tamanha, saber que nós estamos preparados e aptos”, destaca a secretária.

Entre as ações da prefeitura de Salvador para além do institucional, estão consultoria gratuita a empresas que desejam se aprofundar em ações antirracistas e letramento racial, encontros com o trade turístico de Salvador para debater racismo e promoção de cursos voltados para o empreendedorismo negro

Comentários

Outras Notícias

[Governo promove campanha para vacinar quase 30 milhões de estudantes ]
Saúde

Governo promove campanha para vacinar quase 30 milhões de estudantes

17 de Abril de 2025

Foto: Walterson Rosa/MS

[Anvisa suspende medida contra o SuperCoffee após recurso da empresa]
Saúde

Anvisa suspende medida contra o SuperCoffee após recurso da empresa

17 de Abril de 2025

Foto: Divulgação

[Micareta de Feira 2025 terá corte na programação diurna e abertura com Bell Marques]
Cultura

Micareta de Feira 2025 terá corte na programação diurna e abertura com Bell Marques

17 de Abril de 2025

Foto: Reprodução / Acorda Cidade

[Nova caderneta digital de saúde infantil é apresentada pelo Ministério da Saúde]
Saúde

Nova caderneta digital de saúde infantil é apresentada pelo Ministério da Saúde

17 de Abril de 2025

Foto: Reprodução / CONASS

[Sindicato dos Jornalistas da Bahia celebra 80 anos de fundação com homenagem à história da profissão]
Bahia

Sindicato dos Jornalistas da Bahia celebra 80 anos de fundação com homenagem à história da profissão

14 de Abril de 2025

Foto: Divulgação

[Pedro Lucas é escolhido como novo ministro das Comunicações]
Política

Pedro Lucas é escolhido como novo ministro das Comunicações

14 de Abril de 2025

Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados

Vídeos

[Vídeo: Bolsonaro dá chilique em entrevista após TSE decretar sua inelegibilidade por 8 anos]

Vídeo: Bolsonaro dá chilique em entrevista após TSE decretar sua inelegibilidade por 8 anos

30 de Junho de 2023

[Motociclista entra em contramão e bate de frente com outra moto no interior da Bahia; veja o vídeo]

Motociclista entra em contramão e bate de frente com outra moto no interior da Bahia; veja o...

28 de Fevereiro de 2023

Ver todos os vídeos

Categorias


Fatal error: Uncaught ErrorException: ob_end_flush(): failed to delete and flush buffer. No buffer to delete or flush in /home2/cabulaagora/application/bootstrap/app.php:121 Stack trace: #0 [internal function]: Core\App->Core\{closure}(8, 'ob_end_flush():...', '/home2/cabulaag...', 121, Array) #1 /home2/cabulaagora/application/bootstrap/app.php(121): ob_end_flush() #2 /home2/cabulaagora/public_html/index.php(62): require_once('/home2/cabulaag...') #3 {main} thrown in /home2/cabulaagora/application/bootstrap/app.php on line 121