Cultura

Negros ainda esperam liberdade defendida pelo abolicionista Luiz Gama

23 de Agosto de 2021 - André Santana - UOL
[Negros ainda esperam liberdade defendida pelo abolicionista Luiz Gama]

O notável advogado e jornalista Luiz Gama (1830-1882) teria muito trabalho no Brasil de 2021

Além de ainda persistirem casos de trabalhadores mantidos em situações análogas à escravidão, negros precisam provar que não são criminosos perante acusações motivadas pelo racismo. O Patrono da Abolição, que tem a trajetória narrada no filme Doutor Gama, do cineasta Jeferson De, teria que usar todo o seu conhecimento autodidata das leis para defender o direito das pessoas negras de viverem livres, sem serem consideradas sempre suspeitas.

Episódios recentes não faltam, como o do metalúrgico que precisou tirar a roupa em um supermercado em Limeira, interior de São Paulo, para convencer seguranças de que não roubava nada do estabelecimento. No caso do jovem instrutor de surf, constrangido no Leblon, zona sul carioca, após ser acusado de ter roubado uma bicicleta, a Justiça decidiu arquivar a denúncia de calúnia contra o casal que fez a falsa acusação. Já a vítima passou a ser investigada, pois a polícia "descobriu" que a bicicleta, comprada por ele em um site, havia sido furtada.

 

Luiz Gama libertou mais de 500 da escravidão

Como denuncia o canto do Ilê Aiyê: "Até, meu bem, provar que não, que não, negro sempre é vilão". Essa lógica, que já perdurava no Brasil de Luiz Gama, fazia com que muitos cidadãos livres ainda vivessem como escravizados. O próprio Gama, filho de uma negra livre, foi vendido como escravo pelo pai branco e somente conseguiu reconquistar a liberdade já adulto. Estudando as leis e recuperando seus documentos originais, fez sua própria defesa. Depois disso passou a lutar, nos tribunais, pela liberdade de outros negros, atuando como rábula, autorização dada a pessoas sem diploma, mas com experiência e conhecimento para exercer o Direito.

Documentos registram que Luiz Gama foi responsável por libertar, legalmente, mais de 500 escravizados. Além disso, legou ao Brasil uma rica produção, entre textos literários e artigos abolicionistas publicados em jornais. Em 2015, finalmente, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) conferiu a Luiz Gama o título de advogado. E, em junho deste ano, Luiz Gama recebeu o título de doutor Honoris Causa pela Universidade de São Paulo, tornando-se o primeiro negro brasileiro a receber a honraria desta universidade.


Segundo o escritor, sua mãe era Luiza Mahin

O filme de Jeferson De conta a história de Gama desde a infância em Salvador, onde nasceu livre até que a mãe o deixou aos cuidados do pai para participar de levantes contra a escravidão. Apesar de mostrar a admiração do filho pela postura aguerrida da mãe, cuja imagem o acompanha em suas lutas pela abolição, o filme pouco explora a figura mítica de Luiza Mahin, que conquistou o lugar de heroína negra, a partir dos escritos do próprio Luiz Gama, apropriados pelos movimentos negros e explorados em outras literaturas e produções artísticas.

A narrativa do filme se centra em um caso emblemático quando Luiz Gama livrou da forca um escravizado - José, em ótima interpretação de Sidney Santiago - que matou o "senhor" após sucessivas humilhações e violências. O advogado resistiu a aceitar o caso, que motivou uma tentativa de atentado contra ele. Argumentando contra o horror humano da escravidão e a ilegalidade do cativeiro, pois o país já dispunha de leis contrárias ao tráfico negreiro, Gama sentenciou sua defesa na frase que se tornaria sua ideia mais corajosa e —para usar um termo atual— disruptiva: "Todo escravo que mata o senhor age em legítima defesa". 

 

À espera da liberdade

Como disse, ele teria muito trabalho para defender seus argumentos no Brasil de 2021. Já faz tempo que a "legítima defesa" é utilizada para assassinar negros suspeitos, vide as milhares de mortes que ocorrem em operações policiais, sob a justificativa do "auto de resistência". 

A truculência nas ações de segurança, inclusive privada - algumas gerando mortes, como o caso Carrefour de Porto Alegre, não resultam de ameaças concretas à vida do agressor. São motivadas pela suspeita de perigo que o racismo lança sobre pessoas negras.

Conselhos que jovens negros ouvem em casa de evitar roupas folgadas, não correr nas ruas e não fazer gestos bruscos mostram o quanto vivemos sob a lógica da suspeita do outro. 

Atualmente, 30% dos quase 700 mil presidiários no Brasil são presos provisórios, ou seja, estão aguardando julgamento e a possibilidade de provarem inocência. Assim como aqueles injustamente escravizados que precisaram da ação libertadora promovida por Luiz Gama, há milhares de brasileiros, em sua maioria negros, que aguardam encarcerados poder exercer o direito à liberdade.

O filme de Jeferson De está disponível na plataforma Globoplay, a mesma onde é possível acompanhar uma telenovela que romantiza os tempos do Brasil Império, segunda metade do século 19. Enquanto o herdeiro da Coroa portuguesa sofria dilemas pessoais por viver uma paixão extraconjugal, Luiz Gama construía os caminhos para o fim da escravidão, no último país escravocrata das Américas. 

Seria muito bom se a narrativa da novela, além das cenas de sofrimento dos escravizados, incluísse esse sonho de libertação, forjado por negros como Luiz Gama. Um personagem como ele seria fundamental na trama da novela. Mais conhecimento sobre esse legado de lutas e resistências pode contribuir para diminuir as violações no presente e manter a esperança na conquista do direito à liberdade.

Foto: Reprodução Internet

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